O Samkya

A palavra Sāmkya (em sânscrito सांख्य), na sua raiz etimológica, significa “enumeração”, “soma”, “cálculo” e é o ponto de partida para o desenvolvimento de uma filosofia que procura investigar, discernir e expor ideias e conceitos relacionados com a génese do Universo. O Sāmkya está, desde sempre, relacionado com o Yoga. Enquanto a primeira investiga teoricamente os conceitos cosmo-antropológicos, a segunda coloca em prática esse conhecimento, sendo um exercício que pretende ligar, unir e transcender o Eu individual, com o fim de distinguir a natureza da Realidade última e, consequentemente, atingir Moksha – libertação.

A maior obra da filosofia Sāmkya, o Sāmkya Kārikā, de Ishvara Krishna (350 d.C.), retrata o conhecimento supremo recebido e transmitido pelo sábio Kápila, que fundamentou este teoria filosófica. Trata-se de 70 versos árya, em formato Sastra (tratado), que pretendem sumarizar a sabedoria “relativa ao propósito do Espírito, onde a existência, origem e dissolução dos seres é considerada.” – Kárika LXIX.

O Sāmkya é uma filosofia que se debruça sobre o estudo e caminho para a libertação do sofrimento, que é obtida através do discernimento entre duas propriedades: Purusha (Espírito Universal/Homem) e Prakrti (Natureza Criadora que se manifesta através das 3 qualidades ou gunas – Sattva (Pureza), Rajas (Energia) e Tamas (Inércia)/Activa). O Espírito, passivo, é auxiliado pela Natureza, que tem o propósito de o libertar. Toda a criação deriva destas duas forças.
O Purusha é passivo, contemplativo e não manifesto. A Prakrti é ativa, agente, não manifesta ou manifesta. A união do Espírito com a Natureza é para contemplação. A união da Natureza com o Espírito é para libertação. Ambos funcionam em conjunto como um cego e um coxo, sendo que o coxo necessita do cego para se mover e o cego necessita do coxo para ver.

“A criação é levada a cabo por esse união” – “Samyogas Tatkritah Sargah– Karika XXI

Depois do objetivo estar cumprido, Purusha e Praktri separam-se.
Ambos fazem parte dos 25 tattva (princípios) em que Purusha se mantém sozinho, isolado e inativo, e Prakrti cria Mahát ou Buddhi (Intelecto), cuja função é apreender e discriminar, e que pode estar em forma Sattvica (Virtude, Conhecimento, Desapego e Poder) ou Tamásica (Vício, Ignorância, Apego e Ausência de Poder), e que tem 8 esforços ou predisposições (Bhavas) que geram um conjunto de
criações intelectuais denominadas de Pratyaya Sarga. Buddhi, por sua vez, cria Ahamkāra (Ego, Sentido de Si, Auto-identificação), que pode estar em forma Sattvica (Vaikrta), dando origem ao grupo dos onze – Manas (Mente), Buddhindrya (5 sentidos – ouvidos, pele, olhos, língua e nariz) e Karmendrya (5 órgãos de ação – voz, mãos, pés, genitais e ânus), em forma Tamásica (Bhutãdi), criando os Tanmãtra (5 qualidades não específicas – som, sentir, forma, gosto, cheiro), que por sua vez criam os Bhuta (5 qualidades específicas – espaço, ar, fogo, água, terra), ou ainda em forma Rajasica (Taijasa). (ver artigo A Cosmógenese segundo o Samkhya )

Buddhi, Ahamkára e Manas são os chamados Antahkárana – os guardiães do portal. Têm funções próprias e uma função comum: 5 vayus (prāna, apāna, samāna, udāna, vyāna). Os 13 Kárana (Buddhi, Ahamkára, Manas e os 10 órgãos externos) têm como objetivo medir, reter e manifestar os objetos que se apresentam aos 10 Buddhindrya e Karmendrya.

Ainda segundo Ishvara Krishna, existem 3 tipos de sofrimento (dukhatraya), e o método para o remover é através da distinção entre o manifesto e não manifesto. Pradhana é a natureza primordial que dá origem aos grupo dos 7 criadores e criados: Prakrti, Buddhi, Ahamkara e os 5 elementos subtis. O meio de conhecimento é triplo, através da percepção directa, inferência ou discurso fiável. A não percepção dos objetos pode dar-se por vários motivos e a não percepção de Prakrti pode dar-se devido à sua subtileza.


Referências:
Samkhya Karika – Ishvara Krishna – Bashya de Gaudapada